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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Peregrino

 

A vida nos traz sempre oportunidades de crescimento. No último dia 6 de janeiro, completei mais um ano de vida e, diante do clichê que a situação me traz, pensei que o Dia dos Santos Reis podia trazer-me a metáfora do peregrino. Melchior, Baltazar e Gaspar seguiam a estrela em busca do Menino Sagrado, do Messias prometido, da libertação. Sinto-me assim também como um peregrino em busca de algo semelhante.

A tradição dos Três Reis Magos é muito antiga e está intimamente ligada ao nascimento de Jesus. As referências evangélicas oficiais são vagas (somente São Mateus). Não se diz quantos eram nem seus nomes, nem mesmo se eram reis. Alguns estudiosos creem terem sido sacerdotes seguidores de Zaratustra ou Zoroastro, da Pérsia. A crença de que seriam três deve-se talvez à quantidade de oferendas trazidas: ouro, incenso e mirra. Seus nomes seriam Melchior, rei da Pérsia; Gaspar, rei da Índia, e Baltazar, rei da Arábia, os Santos Reis, porque são considerados bem-aventurados. Receberam esses nomes mais de oitocentos anos depois do nascimento de Jesus. Poderiam também ter sido astrônomos, considerando a questão de observarem uma estrela incomum e a seguirem.

Discorro sobre isso neste post porque, como um peregrino que me sinto, não me sinto um rei, todavia. Na reflexão do dia de aniversário, vejo-me caminhando pela vida em busca do conhecimento. Ao longo da minha jornada, tive a oportunidade de conhecer grandes mestres que me ajudaram muitíssimo e um deles é o professor José Geraldo “Coró”, como é conhecido pela grande maioria. Grande estudioso da vida, sempre proporcionou-me momentos curiosos. Contarei alguns.

Meu primeiro contato com o Coró foi na minha infância. Não creio que ele se lembre. Devia ter uns 9 anos de idade. O coró foi visitar meus irmãos mais velhos (Tiãozinho e Joaquim, ambos seus alunos à época) e, como ambos estavam no banho, minha saudosíssima mãe pediu-me que o recebesse e lhe oferecesse um café. Assim o fiz e ele prontamente aceitou o café que há pouco tinha sido passado por minha mãe e cujo cheiro ainda exalava do bule em cima do fogão a lenha. Servi-lhe e um sorriso suave apareceu no rosto do Coró, que tomou o café com jeito satisfeito. Mas minha mãe entrou em desespero ao ver que o Coró tomava café na enorme caneca de chope do meu pai, cheia até a tampa do saboroso líquido negro, e não em uma pequena xícara (aliás, só havia uma na minha casa). Repreendeu-me por isso e eu, que não entendia dessas formalidades, disse inocentemente (não exatamente com essas palavras) que aquele era o melhor recipiente para líquidos da casa. E era mesmo! Por isso pertencia ao meu pai.

O Coró abriu um sorriso mais evidente e agradeceu o café, dizendo que estava muito gostoso. E esse sorriso tranquilizou minha mãe e também a mim, temeroso de mais reprimendas depois que a visita se fosse.

Quando aluno da Escola Estadual Padre Augusto Horta, honrosamente o mestre Coró lecionou-me Matemática e fez-me ainda mais admirador dessa maravilhosa matéria, pela qual ainda sou apaixonado. Questionam-me isso ainda hoje: por que segui a carreira acadêmica das Letras e não das Exatas. Para encurtar a conversa, por se tratar de uma outra história, digo que a vida proporcionou-me isso e, como um ditado popular costuma relatar, Deus atende as nossas necessidades e não nossas vontades. Sou imensamente grato e feliz por ter optado pela carreira das Letras e o fiz pela afinidade que tínhamos. Quanto às Exatas, sempre foram um pouco minhas inimigas e, por serem mais difíceis de conquistar, tornam-se ainda mais apaixonantes.

Mas o Mestre Coró ensinou-me muito mais do que a Matemática e seus mistérios. Através das suas costumeiras reflexões em sala de aula, pude aprender a conhecer obras fantásticas como a do filósofo e místico indiano Jiddu Krishnamurti. Reproduzo alguns de seus pensamentos:

  • “Podemos ir longe, se começarmos de muito perto. Em geral começamos pelo mais distante, o "supremo princípio", "o maior ideal", e ficamos perdidos em algum sonho vago do pensamento imaginativo. Mas quando partimos de muito perto, do mais perto, que é nós, então o mundo inteiro está aberto — pois nós somos o mundo. Temos de começar pelo que é real, pelo que está a acontecer agora, e o agora é sem tempo.”
  • “Meditação é libertar a mente de toda desonestidade. O pensamento gera desonestidade. O pensamento, no seu esforço para ser honesto, é comparativo e, portanto, desonesto. (…) Meditação é o movimento dessa honestidade no silêncio.”
  • “Estou apenas a ser como um espelho da vossa vida, no qual podeis ver-vos como sois. Depois, podeis deitar fora o espelho; o espelho não é importante.”
  • “… Falamos da vida — e não de ideias, de teorias, de práticas ou de técnicas. Falamos para que olhe esta vida total, que é também a sua vida, para que lhe dê atenção. Isso significa que não pode desperdiçá-la. Tem pouquíssimo tempo para viver, talvez dez, talvez cinquenta anos. Não perca esse tempo. Olhe a sua vida, dê tudo para a compreender.”

Não quero me delongar neste post. Serve apenas como manifesto de apreço ao Coró que, recentemente, tem me proporcionado conhecer mais uma faceta de sua personalidade excepcional: o apreço pela boa música. Tem compartilhado comigo e com o amigo Maestro Nascimento a oportunidade de conhecermos belíssimas apresentações musicais através do empréstimo de DVDs  de seu excepcional acervo.

Termino-o então com uns versos, para fazer jus ao Poetopias.

 

 

“Peregrino”

como um peregrino seguindo a estrela

sigo os caminhos íngremes que a vida me traçou

olho, entretanto, com um sorriso o que percorri

a jornada foi árdua até aqui

mas muito recompensadora em sua plenitude

aprendi que seguir a estrela

não foi absolutamente a minha principal atitude

mas sim seguir o caminho

parar um pouco para olhar para trás

e acima de tudo olhar para o momento que me cerca

e de vez em quando para o futuro

espero encontrar ao final a lapinha

onde repousa Aquele que ainda não compreendo

mas que respeito imensamente

Aquele cujas palavras não têm medo do tempo

porque nunca deixarão de dizer a verdade

tão difícil de aceitar

a verdade tão difícil de praticar

como peregrino, continuo minha jornada

sou ao mesmo tempo Baltasar, Melchior e Gaspar

mas não trago comigo incenso, nem ouro, nem mirra

levo apenas a mim mesmo na capanga

este embornal vazio de muitas coisas

mas cheio de esperança

 

3Reis

5 comentários:

  1. Linda narrativa e lindas reflexões. E, é claro, não poderia deixar de nos agraciar com mais um dos seus poemas emocionantes. Parabéns, The EDN.
    Abraços e bom final de semana.

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  2. Eu também passei pelo mesmo dilema: queria ter cursado Comunicação Social ou Belas Artes, mas estou satisfeito com a missão que Deus me deu que é ser um servo da Justiça.

    Belo "post", mais uma vez!

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  3. Professora Cida e Coqueiro, continuamos na peregrinação diária, seguindo nossa estrela. Ao longo da jornada, encontramos peregrinos que passam a caminhar conosco e nos contam histórias dos caminhos por que passaram. Muito legal...

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  4. Professor EDN, parabéns pelo blog! Não é fácil manter um blog atualizado com conteúdos que, de fato, contribuem para nossa cognição, principalmente em virtude de demandas diárias que somos submetidos em nossa peregrinação.

    Forte amplexo!
    Julio Cesar Gravito de Oliveira
    www.professionaljulio.blogspot.com

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  5. Júlio, obrigado pela visita e pelo comentário. Espero postar mais frequentemente. Estou devendo ao Poetopias e aos Invicioneiros... Mas fico muito grato pela presença dos amigos leitores, motivo de tudo.

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