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quinta-feira, 11 de junho de 2020

Sob a sombra das paineiras




Sob as sombras das paineiras, passei
Tantas vezes, sem que notasse as cores
E o tapete aveludado cobrindo os paralelepípedos
Com as flores que despencavam suavemente dos galhos
Derrubadas pelas aves e insetos bêbados de néctar
Inebriados pela beleza incomensurável daquelas árvores.
O apito da fábrica apressava-me os passos
E a escola me esperava
E o trabalho me esperava
E a namorada me esperava
E a casa em construção
E a vida sendo edificada...

Não passo tanto por lá mais...
Mas é como se as paineiras jamais tivessem me deixado
Sinto ainda o perfume das flores e a maciez das painas
espalhadas por onde piso
Marca de carinho da cidade que tem apelido de árvore
Ouço ainda os pássaros em festa e o zunzum das abelhas em seu lavor
O menino sai de dentro do homem
E nos paradoxos da vida
O menino se torna maior que o homem...




quinta-feira, 26 de março de 2020

Um jogo em 1982

O jovem de 16 anos não aguentava mais esperar a hora. Na casa da madrinha, ansioso observava os irmãos em um debate à hora do almoço sobre alguma coisa que não estava entendendo, em um primeiro momento. Entretanto, ao ver o olhar da moça bonita que lá estava, percebeu que todo aquele discurso era apenas para impressioná-la. Uma disputa de dois machos por uma fêmea. Quem ganhasse, levava.
Só que o rapaz não queria saber daquilo... Combinara com um dos irmãos ir ao Mineirão para ver a final do Campeonato Mineiro de 1982. Era contra o maior rival e o Galo voava naquele tempo. Um timaço com João Leite, Nelinho, Osmar Guarnelli, Luisinho e Jorge Valença; Heleno, Cerezo e Renato Queiroz (o”Dramático”); Catatau, Reinaldo e Éder.
Os ânimos estavam exaltados, pois a bebida rolava solta e as horas passavam. Já era momento de irem, pois a previsão era de estádio cheio. Mais de 100.000 torcedores estariam no Gigante da Pampulha neste jogo, segundo o lendário Sebastião Pereira de Jesus, o Tião das Rendas, o que se confirmaria depois. O jovem EDN intimou pela última vez o irmão Dendê para irem, pois já estava ficando apertado para chegar ao estádio. Finalmente, o irmão concordou e saíram, pegando o coletivo em um ponto ali perto.
Mas Dendê, que já estava um pouco “entusiasmado”, resolveu descer em um determinado ponto, alegando que era a subida da Catalão... Mas não era. Ainda estavam bem longe do Mineirão. EDN pensou que não daria para chegar a tempo ao estádio, já debaixo de uma chuva fina que caía. Vestido com a camisa do Galo, sentou-se na beira da calçada, esperando o próximo ônibus e pensando no dinheiro contado. Ainda bem que já tinham os ingressos, comprado na véspera, pois se tivessem que chegar ao campo para ainda comprá-los, poderiam voltar dali mesmo. Pelo menos veriam o jogo pela televisão.
De repente, uma velha Kombi para um pouco a frente e a porta lateral se abre. Um velho vestido com a camisa do Galo pergunta se EDN e Dendê iriam para o Mineirão e os convida para irem de graça. A Kombi devia ter umas 15 pessoas dentro, sem os bancos, cada um se segurando como podia. Chegaram em pouco tempo à Catalão, onde todos desceram e começaram a íngreme subida. A certo ponto, o grito da torcida no estádio já arrepiava e impulsionava EDN e Dendê a correrem. O irmão mais velho, de camisa aberta ao peito, corria meio cambaleante, enquanto EDN recolhia atrás os documentos, o dinheiro e os ingressos que tinham caído do bolso da camisa.
A fila para entrar, a ansiedade e tudo o mais, foram amenizadas pelo canto da torcida. Mas o ingresso de arquibancada superior não valeu, pois tiveram que ir para a geral, no rumo da linha de fundo, porque não cabia mais ninguém na arquibancada. Entraram já com o jogo em andamento, com uns 5 minutos do primeiro tempo. E o jogo estava emocionante, com o time do Galo jogando com amplo domínio, enquanto o rival tinha a estratégia do contra-ataque. O ainda jovem Catatau infernizava pela direita, com dribles e velocidade, enquanto a preocupação maior da marcação celeste tentava se concentrar em Éder Bomba Santa e no Rei José Reinaldo de Lima. Luís Cosme, o marcador de Catatau, seria expulso depois de tanto bater no espertíssimo ponta sete-lagoano. O lance mais emocionante do primeiro tempo, pelo lado do Galo, foi o gol mal anulado pelo bandeira, alegando impedimento, em troca de passes entre Cerezo, Renato e Catatau. O jovem atleta ajoelhou-se ao pé do bandeirinha, pedindo que não anulasse o jogo e foi xingado por ele. Ali ficou ajoelhado chorando, quando Toninho Cerezo deixou o jogo rolar e foi até ele, levantando-o e levando o ponta-direita à torcida, que, dali em diante, passou a gritar o seu nome. Arrepiante!... Catatau estava jogando muito, mas dali em diante, redobrou-se e a defesa rival não sabia como marcá-lo.
Mas, infelizmente, seria o rival o primeiro a marcar foi o Cruzeiro, após bola perdida no meio, com um contra-ataque rápido e falha do goleiro João Leite, que saiu apavorado do gol. O Galo não se abateu, pelo contrário, passou a forçar mais o jogo pela direita do ataque, o que resultou no gol de empate de Renato Queiroz em cabeçada mortal, após cruzamento de Catatau. A chuva fina que caía já havia “curado” o Dendê, que abraçou ao irmão com força, e a vibração da torcida do Atlético, em grande maioria no campo, como de costume, passou a cantar o Hino do Galo com mais força ainda. O gol saíra no final do primeiro tempo.
No intervalo do jogo, a torcida não parou um minuto sequer de cantar e de vibrar. Com o estádio tão cheio, ninguém se arriscava a sair do lugar, pois fatalmente não conseguiria voltar. O empate daria ao Atlético o campeonato. Logo chegou o segundo tempo e a chuva persistia. Catatau continuava infernizando e acabou sofrendo uma falta na meia-lua. Apresentam-se para cobrar, sob aquela chuva fina e o campo molhado, simplesmente os melhores cobradores de falta do Brasil e do mundo naquele momento: Nelinho e Éder. Bate Nelinho, o goleiro não consegue segurar, Catatau pega o rebote e rola para Reinaldo, livre de marcação, empurrar para o gol. Vibração total da torcida que, até o final do jogo, só comemorou o espetáculo de futebol que aquele grande time de craques proporcionou.
Na memória do jovem EDN ficou registrado para sempre esse jogo, assim como na de todos os milhares de atleticanos que ali estiveram. O grito de campeão da torcida ainda ecoa dentro de sua alma e a imagem de um Catatau sorridente e sendo carregado nos ombros pelos colegas de time suplantou o choro de tristeza pela anulação do jogo. O jovem EDN carrega hoje consigo a inexorável certeza de que ser atleticano não é simplesmente seguir um time de futebol, mas sim tê-lo impregnado na alma, vestida com aquela camisa alvinegra.


terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Como uma barca segue o rio




           Hoje completo mais um aniversário de casamento, com muita serenidade. Esses trinta e alguns anos ao lado dessa pessoa maravilhosa, que é minha esposa, tem-me proporcionado a cada data que comemoro a oportunidade de lembrar e refletir.


           Gosto de pensar a vida a dois metaforicamente. Aliás, nossa vida é cheia de metáforas! E as figuras expressam o que não sabemos – ou não podemos – falar. Se busco então conotar esse relacionamento de dois seres que se completam, serei então um rio...






um rio busca encontrar o mar

ao longo de uma jornada sem fim

nunca sabe o que vai encontrar

esse rio que corre dentro de mim...

em seu percurso há mais de um afluente

que mantêm seu fluxo constantemente

para que possa chegar a seu destino

passará por vales e montanhas este rio

matando a sede do homem e do menino

a sede do bicho, a sede do verde

preencherá o espaço do leito vazio

dos açudes que fizerem nas suas margens

seguirá este rio incansável

levando em suas águas uma barca

que navega segura na sua correnteza

seguindo o fluxo das águas do rio

levando consigo a tranquila certeza

de que vai chegar aonde precisa ir

a barca ama o rio e dele necessita

assim como o rio ama a barca

sem ela, o sentido de chegar ao mar

perde-se diante da grandeza de amar

amar a barca e levá-la consigo aonde for

trazê-la sobre suas águas e sob seu amor

num fluxo de vidas que se completam

e que convergem




           
           Soninha, minha esposa linda! Que bom que Deus nos uniu! Continuemos assim, vivendo a intensidade desse amor que, como o rio e a barca, sabem-se necessários um ao outro, sabem-se complementares, sabem-se parceiros, amantes e amados...

            E como eu amo você!


domingo, 27 de janeiro de 2019

Dinha

 

Escrevo essa postagem para minha madrinha e irmã, a quem simplesmente amo demais. Dinha é como se fosse uma segunda mãe para mim e dedico a ela um pequeno conto e um poeminha. Vamos lá!

 
A menina de tranças”


A menina de tranças pegou sua boneca de pano e saiu correndo para o alpendre. O cachorro tinha latido e ela sabia que era o pai chegando. Os irmãos mais novos foram também. Trabalhava fora e só vinha nos finais de semana, sempre trazendo algo da viagem. Às vezes era uma bisnaga de pão da Padaria Nossa, de Sete Lagoas. Outras vezes eram algumas balas Santa Rita. Mas sempre trazia algo para os filhos.
Entretanto, naquele dia, o pai trouxera algo diferente. Era uma cesta trançada de bambu cheia de coisas diferentes, algumas que ela nunca tinha visto. Os irmãos rodeando o pai de abraços e ela tentando se aproximar dele, não obstante a grande concorrência por atenção. Mas a menina estava mesmo é curiosa com o que estava dentro daquela cesta.
O pai, finalmente, chegou perto dela e falou:
— Terezinha, guarde essa cesta em cima do guarda-roupa. Tome cuidado para não cair do tamborete!
— Sim senhor, pai! Mas o que são essas coisas dentro dela?
O pai então foi explicar que era uma cesta de Natal. E que lá dentro estavam nozes, castanhas e outras guloseimas de que a menina só ouvira falar nos livros. E ela tinha esquecido: era já dezembro e logo chegaria o Natal, logo o pai passaria noites acompanhando a Folia de Reis. Um porco ou mais seriam sacrificados para as festas de final de ano.
A menina de tranças abriu um sorriso. Como era bom o Natal! Como era bom fazer parte daquela família! Pulou do tamborete com a agilidade de menina-moça e foi correndo para a cozinha passar um café e fritar uns bolinhos de chuva para o pai, que tinha ido para o quarto para tirar os sapatos e calçar suas alpercatas.
Daí a pouco, tomando o café com bolinhos na sala, o pai contaria histórias aos filhos, que o rodeavam, sentados no chão da sala. Eram histórias maravilhosas que levavam as crianças a outros mundos, tão diferentes daquele pequeno lugarejo a que estavam acostumados. E eram mundos de aventuras de príncipes valentes, de joões soldados, de princesas lindas e delicadas e de muitos outros heróis e heroínas.
Contudo, o maior herói daquelas crianças estava ali, bem defronte a elas...


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A chave do tempo


pelas janelas abertas do passado
ela projeta seu futuro
são tantas histórias que se contam por si mesmas!
a porta do tempo tem uma chave
que ela usa para navegar pelas décadas
fazendo a travessia
levando consigo todos ao redor
resgatando memórias vivas de pessoas e lugares
de acontecimentos e de coisas
que constituem
molécula por molécula
o DNA de sua família
a chave tem a marca da saudade
e é feita de um metal super-resistente
inoxidável
que se chama amor