Pesquisar este blog

sexta-feira, 26 de março de 2010

Drummondianas

clip_image002Queria não estar perdido agora no meio do caminho... Encontrar o sentimento do mundo em cada palavra mágica. Brincar de quadrilha até chegar a hora do cansaço.

Entre o ser e as coisas, tento encontrar coesão e coerência ao falar da vida. Mas não é fácil fazer a composição de tudo isso, pois há um segredo não revelado a leigos como eu. Não é nenhuma bomba.

Meus ombros suportam o mundo que eu vivo apenas, por isso o que me resta relatar sobre minha vida, da infância até agora, são notícias de um menino sonhador, que tinha como meta na vida apenas amar, mesmo diante das sem-razões do amor. Na sua meninice, adora a fazenda que não lhe pertence, enquanto no pasto um boi vê os homens que passam, impassíveis (ambiguamente) e pensa na bunda que engraçada.

Os amigos do menino, de José a Gabriel e Pedro, de mãos dadas, temem como ele a bruxa, e no final do ano, na interpretação de dezembro, imaginam um Papai Noel às avessas entrando pelas chaminés inexistentes de suas casas, rezando para que ele não se mate e que este Natal não seja mais um que lhes falte presentes.

Este texto pode parecer meio insensato, mas traz simplesmente uma homenagem a um dos maiores escritores de língua portuguesa de todos os tempos: Carlos Drummond de Andrade. O mineiro simples de Itabira, que escreveu de crônica a poesia, eternizando o seu olhar atento à vida em forma de palavras. Ele sabia que o mundo é grande e sua matéria poética é sobretudo o tempo, o cotidiano, o subjetivo. Sofreu com o passado e temeu o futuro, por isso, talvez, manteve-se no presente.

Não pude escrever um poema de sete faces nem mesmo um caso do vestido para ilustrar este pequeno texto, para não dizer textículo. Então, reproduzo uma crônica linda de Drummond, para deleite dos leitores.

“No aeroporto”

Viajou meu amigo Pedro. Fui levá-lo ao Galeão, onde esperamos três horas o seu quadrimotor. Durante esse tempo, não faltou assunto para nos entretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre tivemos muito assunto, e não deixamos de explorá-lo a fundo. Embora Pedro seja extremamente parco de palavras, e, a bem dizer, não se digne de pronunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas; o mais é conversa de gestos e expressões pelos quais se faz entender admiravelmente. É o seu sistema.

Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não direi secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana lhe dá prazer. Seu sorriso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas boas intenções para com o mundo ocidental e oriental, e em particular o nosso trecho de rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos, gratificados com esse sorriso (encantador, apesar da falta de dentes), abonam a classificação.

Devo dizer que Pedro, como visitante, nos deu trabalho; tinha horários especiais, comidas especiais, roupas especiais, sabonetes especiais, criados especiais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e privilégios maiores.

Recebia tudo com naturalidade, sabendo-se merecedor das distinções, e ninguém se lembraria de achá-lo egoísta ou importuno. Suas horas de sono - e lhe apraz dormir não só à noite como principalmente de dia - eram respeitadas como ritos sagrados, a ponto de não ousarmos erguer a voz para não acordá-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não se zangaria com a gente, porém nós mesmos é que não nos perdoaríamos o corte de seus sonhos.

Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito concerto para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se forraram à tortura da tevê. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.

Objetos que visse em nossa mão, requisitava-os. Gosta de óculos alheios (e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas para pegá-las, mirá-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) pô-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém duvido que mantenha este juízo diante de Pedro, de seu sorriso sem malícia e de suas pupilas azuis — porque me esquecia de dizer que tem olhos azuis, cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada, sobre a razão íntima de seus atos.

Poderia acusá-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os cômodos, e o que lhe ocorria fazer, fazia em qualquer parte? Zangar-me com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. Jamais me voltei para Pedro que ele não me sorrisse; tivesse eu um impulso de irritação, e me sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas coisas eram indiferentes à nossa amizade — e, até, que a nossa amizade lhe conferia caráter necessário de prova; ou gratuito, de poesia e jogo.

Viajou meu amigo Pedro. Fico refletindo na falta que faz um amigo de um ano de idade a seu companheiro já vivido e puído. De repente o aeroporto ficou vazio.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de balanço. Reprod. Em: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973,p.1107-1108

clip_image003

domingo, 14 de março de 2010

Mercado Negro

Queria publicar um post hoje a qualquer custo. Tive a oportunidade de encontrar com minha madrinha Dinha e ela falou-me de umas histórias legais de São Vicente e de meu pai. É sempre bom ouvir histórias de pai e mãe, no duplo sentido. Se não mais posso ouvi-los contar, que alguém me conte histórias sobre eles. Quem sabe as publique nesse espaço virtual de sonhos e confissões.


máscaras teatro

O título do post remete a coisa totalmente diferente desse assunto. Tinha intenção de escrever coisa totalmente diversa. Mas não sou dono das palavras. Sou escravo delas e já disse isso outras vezes. Sou escravo delas e submeto-me ao que me orientam, como se psicografasse num fluxo ininterrupto, enquanto ouço Carmina Burana (Fortuna Imperatrix Mundi-Fortune plango vulgare). Mantenho título, ainda que não tenha muita coisa a ver com o post.

Não preciso me estender. Pareço um poeteiro (como classificou este blog um leitor). Respondi-lhe: fazer o quê? Talvez seja meio assim romântico, embora sobrevivi ao mal-do-século. Tenho emoções que não costumo represar. E a palavra permite-me revelá-las, à deriva de meus reflexos de constrangimento. Tenho emoções e incluo nesse post um vídeo legal que vi sobre o tema embora não queira tratá-lo como lema nem problema. Apenas um dilema.

Este espaço virtual apareceu-me como uma janela. Uma oportunidade de ver o mundo panoramicamente e mostrar-me a ele apenas pelo espaço que a janela permite. É injusto? O que é justo? Quem quiser ver-me mais, deverá entrever-me nas entrelinhas. Entreler-me.

“Janelares”

“(…) O pensamento o perde

A emoção o encontra

O sorriso o alcança

E a vida o perece (…)”

(Maria Helena Braz da Silva)

sobrevivo ao mal-do-século

não obstante meu coração em pedaços

insiste em existir

sofro é claro sofro muito muito muito

com a saudade de pessoas que se foram

e não podem mais me contar suas histórias

mas a vida me faz prosseguir

mesmo que sofra

sei que o sofrimento é necessário

para crescer...

pelas janelas vejo o mundo

que apenas me entrevê

vejo a ti

que estás aí a me ler

do outro lado da tela do teu computador

com dor ou sem ela

olhas-me pela janela

que a máquina te permite usar

se tu janelares

descobrirás olhares

que tu não tinhas visto antes

e se enxergares o que está aqui dentro

verás que o mundo não é só teu mundo

sobrevivo ao mal-do-século

não sou tão romântico afinal

descubro palavras e elas me descobrem

desnudam-me perante o mundo

brinco com elas e elas judiam de mim

maltratam-me inexoravelmente

mas depois me consolam

com carinho extremo e muito amor

mas há uma palavra que me machuca

mesmo que sem crueldade

esta palavra que (não ouses dizê-la) tento esquecer

esta palavra que me recuso a dizer

esta palavra: saudade...

segunda-feira, 8 de março de 2010

Sobre a Mulher

Hoje se comemora o Dia Internacional da Mulher. Momento interessante de refletir a respeito do que representam esses seres tão especiais na vida masculina. Por mais piegas que pareça, acredito na força da mulher. Minha vida inteira está indelevelmente marcada por elas. Mãe, madrinha, irmãs, tias, amigas e esposa: pessoas que estarão sempre na minha memória afetiva como paradigmas.
Não tenho muito o que dizer neste post.


“Conquista”

Nossa vida é feita de conquistas
Cujo valor tem a medida
Do que representam em nossa vida.


Mesmo que não sejamos realistas,

A realidade se impõe feroz,
Mostrando o que isso vale para nós.


Conquistar coisas não é tão duro,
É mais difícil conquistar uma pessoa.

Conquistaram-me várias mulheres,

A quem agora dedico esta loa.


Este elogio singelo de um homem simples

Que não tem muita coisa a dizer a elas
,
Às mulheres maravilhosas que me ensinaram
A enxergar a vida de fora das janelas.


Que me ensinaram a entender sentimentos

Profundos como a humildade.

Que me ensinaram a reconhecer de fato

O que é amar de verdade.



Neste poema de versos e estrofes disformes

Quero reproduzir apenas minha admiração,

Minha homenagem e a marca de minha emoção.



Não sei como terminá-lo, mas sei que preciso
Então, simplesmente vou lhes dizer assim:
Mulheres, parabéns, adoro vocês e fim.


quinta-feira, 4 de março de 2010

A estátua e o piso

Depois de algum tempo sem publicar no “Poetopias”, apenas em “Os Invicioneiros”, forço-me a fazê-lo neste momento de aperto, movido pela tirania da palavra presa em mim.

Para tanto, lembro-me de um texto apócrifo interessante lido há alguns anos. Não conheço o autor, obviamente. Reproduzo-o para vocês, com adaptações minhas:



“A estátua e o piso

Havia um museu com o piso completamente coberto por belíssimos azulejos de mármore e com uma estátua, toda em mármore, enorme, exibida no meio do salão de entrada. Muitas pessoas vinham do mundo inteiro para admirar a bonita estátua de mármore. Uma noite, os azulejos de mármore começaram a falar e reclamar com a estátua de mármore.
— Estátua, isto não é justo, não é justo! Por que vem gente do mundo inteiro, pisa e pisa em todos nós, e só para admirá-la? Não é justo!
— Meu querido amigo, azulejo de mármore. Você ainda se lembra de quando estávamos, de fato, na mesma caverna? Respondeu a estátua.
— Sim! É por isso que eu acho tudo muito injusto. Nós nascemos da mesma caverna e agora recebemos tratamento tão diferente. Não é justo! — Ele chorou novamente.
— Então, você ainda se lembra do dia que o artista tentou trabalhar em você, mas você resistiu bravamente às ferramentas?
— Sim, claro que eu me lembro. Eu odiei aquele sujeito! Como pôde ele usar aquelas ferramentas em mim? Doeu muito!
— Com toda certeza foi muito dolorido! Ele não pôde trabalhar nada em você porque você resistiu em ser trabalhado.
— Sim. E daí?

— Quando ele desistiu de você e veio para cima de mim, ao invés de resistir como você, eu soube imediatamente que eu me tornaria algo diferente depois dos esforços dele. Então, eu não resisti, ao invés disso eu aguentei todas as ferramentas dolorosas que ele usou em mim.
— Mmmmmm!... — Resmungou o azulejo, insatisfeito.
— Meu amigo, há um preço para tudo na vida. E nem sempre é fácil. Às vezes é muito difícil, doloroso. Mas temos que aprender a suportar os sofrimentos, procurando crescer e aprender para nos transformarmos em algo mais belo. Já que você desistiu de tudo no meio do caminho, você não pode culpar qualquer pessoa que agora pisa em você.

***************
É interessante analisar a profundidade dessa historinha. Reflito, embora a história não esteja colocada em um plano religioso, que a vida assim nos trata. Ela é uma grande artista que vem nos moldar com suas ferramentas e nos tornar melhores. Sofremos e crescemos. Nesses tempos de Twitter, blogs e demais redes sociais da internet, textos assim são interessantes para composição de reflexões que podem nos tornar melhores ou não, no caminho que buscamos em nossas vidas. Gosto deles. Por isso compartilho.

“Busca”

em busca de um caminho
que ainda não sei
as palavras se amontoam
e apregoam verdades
e apregoam vontades
pessoas e pessoas e apelidos
a pedidos
atendidos por mim
escrevo obrigado
não agradeço
obrigado
pois a poesia assim me ordena
eu almirante não sei navegar
nesse mar de tormentas
tsunamis me agitam
e a água invade as praias
de meus olhos...