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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Uma pena...

Na semana passada deixou-nos Pena Branca. Uniu-se a Xavantinho novamente para formar uma dupla que encantará os céus com sua simplicidade.

Essa, aliás, sempre foi a marca de ambos ao longo de suas vidas. Dizem que, certa vez, Pena Branca ligou para um amigo perguntando o que era um tal de Grammy (a dupla acabara de receber uma correspondência informando que havia ganhado o Grammy Latino).

Falar o que a respeito? Pena Branca e Xavantinho representaram uma parte da nossa música que foi sempre tratada com ressalvas pelos críticos de plantão. A música de raiz em Pena Branca e Xavantinho tornou-se também popular. Interpretaram grandes compositores de nossa música caipira e também de nossa música popular. A gravação de "Cio da Terra" é algo simplesmente maravilhoso. Mílton Nascimento e Chico Buarque devem se sentir orgulhosos dessa música que marcou a carreira da dupla.

Como Pena Branca e Xavantinho, muitas outras duplas da música de raiz poderiam estar em evidência. Quando falo de música de raiz, não me refiro apenas à música caipira. Desde as mais simples manifestações de congado e reisado ao samba de Martinho da Vila, à música de Villa-Lobos, entre outras, são o que considero música de raiz. É a música que se confunde com a história e a formação de nossa cultura.

Sei que é mexer em uma caixa de marimbondos falar de gosto musical ou de qualquer gosto estético. Entretanto não deixo aqui crítica a nenhuma opção, não considero comparações de valor. Coloco apenas o que considero interessante. E uso aqui uma referência importante: Pena Branca e Xavantinho.

Uma pena... por que artistas assim não são reconhecidos como deveriam? Uma pergunta, caro leitor, cuja resposta não tenho. Alguém poderia responder para mim?...

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Indignação

Prezados, no dia 7 de fevereiro de 2007, um crime bárbaro chocou o Brasil. O menino João Hélio foi covardemente arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro por um carro. Ele estava preso ao cinto de segurança. O carro tinha sido roubado de sua família e a mãe sequer teve tempo de retirar a criança do banco traseiro, sendo empurrada pelos covardes assassinos. O crime causou verdadeira comoção.
Até hoje, não dá para explicar... A que ponto banalizaram a vida humana. A impunidade é uma sensação que permanecerá em nós com seu gosto acre e seu cheiro fétido. Ao saber disso, restou-me a indignação perene e o que me atenua a revolta é poder falar dela às pessoas (meus alunos, meus colegas de trabalho etc.) através de todos os meios possíveis. Não podemos deixar fatos assim caírem no esquecimento, para que crianças não sejam mais atiradas de janelas de prédios nem dentro de lagoas ou em latas de lixo, para que índios não sejam mais queimados vivos em bancos de praça e outras tantas barbaridades que maculam nossa sociedade.
Para tanto, lembrando a triste morte do menino João Hélio, deixo um "post-poema" como uma reflexão acerca disso tudo...

Indignação


o carro arranca
o menino
(que destino!)
estava preso no cinto
sinto
muito sinto muito sinto muito sinto muito
diz a menina que não pôde salvar o irmão
e a dor que estraçalha o coração
da mãe que não pôde fazer nada diante da violência
só nos resta a indignação
somos uma digna nação
que não merece sofrer tanto mais
nossa religiosidade
nessa religiosa idade
em que refletimos mais sobre nosso papel
e o que podemos fazer diante disso tudo
indignarmos apenas não basta!
é preciso libertar nosso grito
e através de uma atitude concreta
não deixar que o menino preso no cinto
seja lembrado apenas mais um
nesse palco de violência
em que vivemos todos os dias...
o carro arranca
estamos todos presos ao cinto...

(por Ernane Duarte Nunes)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A Guerreira e a África

Falar sobre a África sempre mexeu comigo, desde os tempos em que recitava Castro Alves, aos sete anos de idade. Lá se vão 37 anos de admiração pela obra desse grande poeta que gostava de recitar suas poesias (dizem que ele as escrevia exatamente para serem recitadas e não apenas lidas individualmente, a fim de atingir o máximo de pessoas). A literatura africana lusófona, tão pouco divulgada, mas tão preciosa, traz grandes influências desse contexto e dessa abordagem feita pelo poeta baiano, que denunciava a escravidão e o tráfico de escravos, mácula indelével na história do Brasil.

Enquanto escrevo esse post, embalado ao som de Cesária Évora, notável cantora do arquipélago africano e lusófono de Cabo Verde, que sempre se apresenta de pés descalços, como forma de mostrar sua origem humilde e sofrida. Seguindo o caminho das suas músicas, ouço o dialeto crioulo cabo-verdiano composto uma mistura da língua nativa com as línguas dos conquistadores, que lá estiveram (considerando que o arquipélago foi um ponto de convergência e rota de cruzamentos marítimos de várias nacionalidades, por interesses colonialistas, de piratagem ou escravocratas). Principalmente a língua portuguesa.

O que ouço é o substrato linguístico, o resíduo natural impregnado pelos falares caboclos, impactado e afetado pelo superstrato neolatino das línguas românicas, sobretudo o português, por um processo de desculturação e aculturação progressivo, num ambiente colonialista, escravocrata e bárbaro. Canções que lamentam, nascidas da memória oral e passadas de boca em boca, Cesaria Évora, faz uma viagem pelos meandros mais subjetivos da alma de seu povo e de sua gente.

Esse dialeto crioulo cabo-verdiano tem status de “língua” interjectiva, onomatopaica, aglutinante, sincopada, elíptica, apostrófica, apocopada, sintética, primitiva, própria das literaturas africanas de língua portuguesa, cujo somatório do substrato e superstrato (ortográfico e fonológico) apresenta peculiaridades próprias de uma “língua” oral ou falada, aglutinante. As elisões dão aos textos um tom malemolente, nostálgico, saudosista e melancólico, expressando com fina emotividade a atmosfera do Arquipélago.

Veja as letras das canções abaixo:


Sabor de Pecado

Na ponta de bôs lábios
Tem fogo di amor
Tem mel di abelha
Tem paixão tem calor
Tem tentaçon di maçã
Tem sabor di pecado
Bôs bejos tem
Doçura e mistêr

(de Novas, Manuel. CD São Vicente di Longe, Cesária Evora. Studio Plus XXX, Paris, Dezembro de 2000, p.2)



Mar é morada de sodade

Num tardinha na camba di sol
Mi t'andá na pr'aia de Nantasqued
Lembra'n praia di Furna Sodade
frontán 'm tchorá Mar é morada di sodade
El ta separá-no pa terra longe
El ta separá-no d'nôs mâe, nós amigo
Sem certeza di torná encontrá
M'pensá na nha vida mi só
Sem ninguem di fé, perto di mim
Pa st'odjá quês ondas ta 'squebrá di mansinho
Ta trazé-me um dor di sentimento
[de Maninha, Lela. CD Cap-Vert (Cabo-Verde Islands), Cesária Evora]


Troco agora de cantora. Ouço a mineira, conterrânea e um dos meus ídolos na música: Clara Nunes. A canção de Chico Buarque de Holanda “Morena de Angola” leva-me de novo para a África e consigo vibrar com a voz marcante dessa mineira guerreira.

Clara Guerreira: assim era conhecida essa mulher admirável que, na minha infância e adolescência via passar na porta de minha casa, nas breves visitas que fazia à família. Nunca deixava de ir à famosa “pedreira”, uma espécie de lajedo que há no famoso córrego do Cedro, próximo à casa onde eu morava naquele tempo. Olhava-a timidamente, quando ela passava e eu estava na rua ou, quando dentro de casa, pelas frestas das janelas. Tinha vergonha, como bom “capiau” (que sou até hoje) daquela mulher impressionante, de beleza singular e de uma voz melodiosa e firme, mesmo quando estava apenas conversando.

Achava um pouco estranho o sotaque, já marcado pelo jeito fluminense de dizer as coisas. Mas ainda se percebia a raiz mineira, indelével. Surpreendia-me sempre aquela mulher, tia de um conhecido meu naquele tempo, com quem jogava bola, o Suede. Hoje, ainda jogo bola com o Doutor Suede, brilhante ortodontista que, inclusive, faz um ótimo trabalho com o meu filho caçula.

Clara Nunes tem uma história sofrida, como Cesária Évora. Ela também gostava de cantar descalça, como Cesária Évora. Também defendeu suas raízes, como Cesária Évora. Também é inesquecível, como Cesária Évora.

A música que toca agora é outra. A linda composição “Tristeza pé no chão”, de Armando Fernandes, mais conhecido como Mamão, lá de Juiz de Fora. Finalizo com a letra da música:


“Tristeza pé no chão”

Dei um aperto de saudade
No meu tamborim
Molhei o pano da cuíca
Com as minhas lágrimas
Dei meu tempo de espera
Para a marcação e cantei
A minha vida na avenida sem empolgação

Dei um aperto de saudade
No meu tamborim
Molhei o pano da cuíca
Com as minhas lágrimas
Dei meu tempo de espera
Para a marcação e cantei
A minha vida na avenida sem empolgação


Vai manter a tradição
Vai meu bloco tristeza e pé no chão
Vai manter a tradição
Vai meu bloco tristeza e pé no chão

Fiz o estandarte com as minhas mágoas
Usei como destaque a tua falsidade
Do nosso desacerto fiz meu samba enredo
Do velho som da minha surda dividi meus versos

Vai manter a tradição
Vai meu bloco tristeza e pé no chão
Vai manter a tradição
Vai meu bloco tristeza e pé no chão

Nas platinelas do pandeiro coloquei surdina
Marquei o último ensaio em qualquer esquina
Manchei o verde esperança da nossa bandeira
Marquei o dia do desfile para quarta-feira

Vai manter a tradição
Vai meu bloco tristeza e pé no chão
Vai manter a tradição
Vai meu bloco tristeza e pé no chão

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* Para ver vídeos de Cesária Évora e de Clara Nunes, pesquise no Google Vídeos. Você vai se surpreender, se ainda não conhece...