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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Um menino em São Vicente

 

Quando era menino, ansiava pelas férias em São Vicente. Era um tempo de aventuras e sonhos, muitos sonhos... Fui com meus pais aos 4 anos para Caetanópolis, terra maravilhosa, mas nunca me esqueci de São Vicente, exatamente por que lá eu podia fazer muitas coisas totalmente inadmissíveis na casa de meus pais.

A começar da viagem em si. Tirando o fato de um rapaz magrelo e fracote como eu ter de caminhar com a mala pesada do centro de Sete Lagoas, no início da Monsenhor Messias (onde o ônibus do Cedro a Sete Lagoas tinha ponto final) até a estação ferroviária (onde era o ponto do ônibus que levava a São Vicente), tudo era bom. Íamos normalmente em ônibus do tipo monobloco, com motor na frente, ao lado do motorista. Esse motor era coberto por uma estrutura onde nos sentávamos e tínhamos visão total da paisagem de estrada de terra encascalhada, margeada por fazendas e lagoas. Mas o lugar mais esperado da paisagem era a ponte sobre o Rio das Velhas, impressionantemente estreita sobre um rio de águas pesadamente barrentas que, por várias vezes, em períodos chuvosos cobriam-na (até que um dia essas águas levaram a ponte embora). Era como se estivéssemos andando numa corda bamba sobre um precipício.

A parada em Funilândia ou Jequitibá, dependendo do trajeto do ônibus em que viajávamos, era sempre interessante. Além da tradicional ida ao banheiro, havia um lanche de requeijão, de biscoito do tipo “boca de velho”, de polvilho ou daqueles antigos “quebra-quebra” com um café tão gostoso!... Outra parada que havia (quando íamos por Jequitibá) era em Baldim, na lanchonete do meu padrinho Domingos Barbosa. Aí era quando meus irmãos morriam de inveja, pois era só descer e dizer para ele “bença, padrim!”, que eu ganhava um doce e, de vez em quando, até um chocolate Diamante Negro ou Sonho de Valsa. Claro que eu tinha que dividir com meus irmãos (cada um dava uma mordidinha, controlada e medida com o dedo).

Chegando em São Vicente, já sabíamos para a casa de qual tio cada um iria, considerando que não iríamos todos para a casa de um só, pois eram pobres, com famílias numerosas e muitas bocas iriam onerar o orçamento, até porque ficávamos sempre no mínimo uma semana. Mas não importava para onde iríamos: seríamos sempre bem recebidos, com aquele amor e carinho que sempre marcaram nossas vidas indelevelmente.

Meu tio Divino e minha tia Cecília, que saudades deles! Brincávamos com o primo Desinho e ouvíamos as histórias maravilhosas e cheia de mentiras do meu tio Divino, irmão caçula do meu pai Tião que fazia aniversário no mesmo dia que ele (24 de fevereiro). Esse meu tio, mesmo com dificuldades para caminhar que acabaram o tornando definitivamente paralítico, era dono de habilidades fantásticas com as quais criou seus filhos e lhes ensinou diversas profissões: de artesão de couro, passando por serralheiro e também por pedreiro. Infelizmente, não conseguia largar o cigarro, o que seria um dos responsáveis por tirá-lo de nós.

Minhas tias Té (Esther) e Dorvalina, severas como meu pai (irmão delas), mas com corações tão cheios de um carinho que transbordava e nos inundava. O chafariz, os quitutes deliciosos de tia Té, doces, cubus, bolos, biscoitos e a comida simplesmente inesquecível. Os picolés quadrados de formas de geladeira de Chica de Zezé Gonçalves que pagavam para nós com suas moedinhas sempre disponíveis. A habilidade de minha tia Dorvalina nos tricôs e seu olhar sereno, mesmo diante da dificuldade de ser paralítica, como meu tio Divino.

Na casa de tio Irênio (que não conheci, pois a morte o levou antes) tínhamos (e ainda temos, graças a Deus) a nossa queridíssima tia Divina, uma pessoa espetacular de quem nunca me esqueço em minhas orações. Mulher lutadora, que, mesmo perdendo o marido muito cedo, criou todos os seus filhos com muito amor e nos reservava o mesmo carinho. Sua casa fica na Copacabana, bairro que está entre dois córregos onde nadávamos e pescávamos.

Como é bom lembrar agora de meus primos todos, especialmente os de idade próxima a minha, como Zelito (que saudades! Deus o levou tão cedo...), o Vandinho, o Derson, o Desinho, o Luisinho Castelo Branco, o Willian Macaco... E os amigos do peito Nélson de Sô Dino, Paraná, Julinho Brioso e tantos outros. Jogávamos futebol nos campinhos diversos que havia por lá e ficávamos invariavelmente cheios de carrapatos, que tirávamos nadando nos córregos (que diziam infestados de xistose, embora nunca ficamos doentes disso nem vimos nenhum dos nossos amigos). As pescarias também eram memoráveis... Sempre voltávamos com o cambão repleto de piabinhas, carás e as deliciosas traíras. Caçar passarinho também era bom (embora hoje me lembre um pouco arrependido disso), pois as rolinhas que matávamos viravam saborosos petiscos preparados por minhas tias ou pelas mães de meus amigos.

Tenho tantas histórias das férias de minha infância em São Vicente, que esse post é insuficiente para relatar. No entanto, ele serve para relatar minha saudade de tudo isso. Hoje vou tão pouco a São Vicente, atropelado pelo tempo inexorável, que nos absorve e que nos aliena. É preciso vencer essa lassidez que nos leva à acomodação no lugar comum da falta de tempo para tudo. Vou tentar isso, pois tenho consciência de que, se sou o homem que sou, devo muito a esse menino magrelo que passava férias em São Vicente.