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quinta-feira, 26 de março de 2020

Um jogo em 1982

O jovem de 16 anos não aguentava mais esperar a hora. Na casa da madrinha, ansioso observava os irmãos em um debate à hora do almoço sobre alguma coisa que não estava entendendo, em um primeiro momento. Entretanto, ao ver o olhar da moça bonita que lá estava, percebeu que todo aquele discurso era apenas para impressioná-la. Uma disputa de dois machos por uma fêmea. Quem ganhasse, levava.
Só que o rapaz não queria saber daquilo... Combinara com um dos irmãos ir ao Mineirão para ver a final do Campeonato Mineiro de 1982. Era contra o maior rival e o Galo voava naquele tempo. Um timaço com João Leite, Nelinho, Osmar Guarnelli, Luisinho e Jorge Valença; Heleno, Cerezo e Renato Queiroz (o”Dramático”); Catatau, Reinaldo e Éder.
Os ânimos estavam exaltados, pois a bebida rolava solta e as horas passavam. Já era momento de irem, pois a previsão era de estádio cheio. Mais de 100.000 torcedores estariam no Gigante da Pampulha neste jogo, segundo o lendário Sebastião Pereira de Jesus, o Tião das Rendas, o que se confirmaria depois. O jovem EDN intimou pela última vez o irmão Dendê para irem, pois já estava ficando apertado para chegar ao estádio. Finalmente, o irmão concordou e saíram, pegando o coletivo em um ponto ali perto.
Mas Dendê, que já estava um pouco “entusiasmado”, resolveu descer em um determinado ponto, alegando que era a subida da Catalão... Mas não era. Ainda estavam bem longe do Mineirão. EDN pensou que não daria para chegar a tempo ao estádio, já debaixo de uma chuva fina que caía. Vestido com a camisa do Galo, sentou-se na beira da calçada, esperando o próximo ônibus e pensando no dinheiro contado. Ainda bem que já tinham os ingressos, comprado na véspera, pois se tivessem que chegar ao campo para ainda comprá-los, poderiam voltar dali mesmo. Pelo menos veriam o jogo pela televisão.
De repente, uma velha Kombi para um pouco a frente e a porta lateral se abre. Um velho vestido com a camisa do Galo pergunta se EDN e Dendê iriam para o Mineirão e os convida para irem de graça. A Kombi devia ter umas 15 pessoas dentro, sem os bancos, cada um se segurando como podia. Chegaram em pouco tempo à Catalão, onde todos desceram e começaram a íngreme subida. A certo ponto, o grito da torcida no estádio já arrepiava e impulsionava EDN e Dendê a correrem. O irmão mais velho, de camisa aberta ao peito, corria meio cambaleante, enquanto EDN recolhia atrás os documentos, o dinheiro e os ingressos que tinham caído do bolso da camisa.
A fila para entrar, a ansiedade e tudo o mais, foram amenizadas pelo canto da torcida. Mas o ingresso de arquibancada superior não valeu, pois tiveram que ir para a geral, no rumo da linha de fundo, porque não cabia mais ninguém na arquibancada. Entraram já com o jogo em andamento, com uns 5 minutos do primeiro tempo. E o jogo estava emocionante, com o time do Galo jogando com amplo domínio, enquanto o rival tinha a estratégia do contra-ataque. O ainda jovem Catatau infernizava pela direita, com dribles e velocidade, enquanto a preocupação maior da marcação celeste tentava se concentrar em Éder Bomba Santa e no Rei José Reinaldo de Lima. Luís Cosme, o marcador de Catatau, seria expulso depois de tanto bater no espertíssimo ponta sete-lagoano. O lance mais emocionante do primeiro tempo, pelo lado do Galo, foi o gol mal anulado pelo bandeira, alegando impedimento, em troca de passes entre Cerezo, Renato e Catatau. O jovem atleta ajoelhou-se ao pé do bandeirinha, pedindo que não anulasse o jogo e foi xingado por ele. Ali ficou ajoelhado chorando, quando Toninho Cerezo deixou o jogo rolar e foi até ele, levantando-o e levando o ponta-direita à torcida, que, dali em diante, passou a gritar o seu nome. Arrepiante!... Catatau estava jogando muito, mas dali em diante, redobrou-se e a defesa rival não sabia como marcá-lo.
Mas, infelizmente, seria o rival o primeiro a marcar foi o Cruzeiro, após bola perdida no meio, com um contra-ataque rápido e falha do goleiro João Leite, que saiu apavorado do gol. O Galo não se abateu, pelo contrário, passou a forçar mais o jogo pela direita do ataque, o que resultou no gol de empate de Renato Queiroz em cabeçada mortal, após cruzamento de Catatau. A chuva fina que caía já havia “curado” o Dendê, que abraçou ao irmão com força, e a vibração da torcida do Atlético, em grande maioria no campo, como de costume, passou a cantar o Hino do Galo com mais força ainda. O gol saíra no final do primeiro tempo.
No intervalo do jogo, a torcida não parou um minuto sequer de cantar e de vibrar. Com o estádio tão cheio, ninguém se arriscava a sair do lugar, pois fatalmente não conseguiria voltar. O empate daria ao Atlético o campeonato. Logo chegou o segundo tempo e a chuva persistia. Catatau continuava infernizando e acabou sofrendo uma falta na meia-lua. Apresentam-se para cobrar, sob aquela chuva fina e o campo molhado, simplesmente os melhores cobradores de falta do Brasil e do mundo naquele momento: Nelinho e Éder. Bate Nelinho, o goleiro não consegue segurar, Catatau pega o rebote e rola para Reinaldo, livre de marcação, empurrar para o gol. Vibração total da torcida que, até o final do jogo, só comemorou o espetáculo de futebol que aquele grande time de craques proporcionou.
Na memória do jovem EDN ficou registrado para sempre esse jogo, assim como na de todos os milhares de atleticanos que ali estiveram. O grito de campeão da torcida ainda ecoa dentro de sua alma e a imagem de um Catatau sorridente e sendo carregado nos ombros pelos colegas de time suplantou o choro de tristeza pela anulação do jogo. O jovem EDN carrega hoje consigo a inexorável certeza de que ser atleticano não é simplesmente seguir um time de futebol, mas sim tê-lo impregnado na alma, vestida com aquela camisa alvinegra.


2 comentários:

  1. Uma epopeia para se chegar ao estádio para assistir a glória de um time inesquecível!

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  2. Descrição nos mínimos detalhes daqueles momentos memoráveis! Time do Galo jogava muito.

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