O jovem de 16 anos não aguentava mais esperar a hora. Na casa da
madrinha, ansioso observava os irmãos em um debate à hora do almoço
sobre alguma coisa que não estava entendendo, em um primeiro
momento. Entretanto, ao ver o olhar da moça bonita que lá estava,
percebeu que todo aquele discurso era apenas para impressioná-la.
Uma disputa de dois machos por uma fêmea. Quem ganhasse, levava.
Só que o rapaz não queria saber daquilo... Combinara com um dos
irmãos ir ao Mineirão para ver a final do Campeonato Mineiro de
1982. Era contra o maior rival e o Galo voava naquele tempo. Um
timaço com João Leite, Nelinho, Osmar Guarnelli, Luisinho e Jorge
Valença; Heleno, Cerezo e Renato Queiroz (o”Dramático”);
Catatau, Reinaldo e Éder.
Os ânimos estavam exaltados, pois a bebida rolava solta e as horas
passavam. Já era momento de irem, pois a previsão era de estádio
cheio. Mais de 100.000 torcedores estariam no Gigante da Pampulha
neste jogo, segundo o lendário Sebastião Pereira de Jesus, o Tião
das Rendas, o que se confirmaria depois. O jovem EDN intimou pela
última vez o irmão Dendê para irem, pois já estava ficando
apertado para chegar ao estádio. Finalmente, o irmão concordou e
saíram, pegando o coletivo em um ponto ali perto.
Mas Dendê, que já estava um pouco “entusiasmado”, resolveu
descer em um determinado ponto, alegando que era a subida da
Catalão... Mas não era. Ainda estavam bem longe do Mineirão. EDN
pensou que não daria para chegar a tempo ao estádio, já debaixo de
uma chuva fina que caía. Vestido com a camisa do Galo, sentou-se na
beira da calçada, esperando o próximo ônibus e pensando no
dinheiro contado. Ainda bem que já tinham os ingressos, comprado na
véspera, pois se tivessem que chegar ao campo para ainda comprá-los,
poderiam voltar dali mesmo. Pelo menos veriam o jogo pela televisão.
De repente, uma velha Kombi para um pouco a frente e a porta lateral
se abre. Um velho vestido com a camisa do Galo pergunta se EDN e
Dendê iriam para o Mineirão e os convida para irem de graça. A
Kombi devia ter umas 15 pessoas dentro, sem os bancos, cada um se
segurando como podia. Chegaram em pouco tempo à Catalão, onde todos
desceram e começaram a íngreme subida. A certo ponto, o grito da
torcida no estádio já arrepiava e impulsionava EDN e Dendê a
correrem. O irmão mais velho, de camisa aberta ao peito, corria meio
cambaleante, enquanto EDN recolhia atrás os documentos, o dinheiro e
os ingressos que tinham caído do bolso da camisa.
A fila para entrar, a ansiedade e tudo o mais, foram amenizadas pelo
canto da torcida. Mas o ingresso de arquibancada superior não valeu,
pois tiveram que ir para a geral, no rumo da linha de fundo, porque
não cabia mais ninguém na arquibancada. Entraram já com o jogo em
andamento, com uns 5 minutos do primeiro tempo. E o jogo estava
emocionante, com o time do Galo jogando com amplo domínio, enquanto
o rival tinha a estratégia do contra-ataque. O ainda jovem Catatau
infernizava pela direita, com dribles e velocidade, enquanto a
preocupação maior da marcação celeste tentava se concentrar em
Éder Bomba Santa e no Rei José Reinaldo de Lima. Luís Cosme, o
marcador de Catatau, seria expulso depois de tanto bater no
espertíssimo ponta sete-lagoano. O lance mais emocionante do
primeiro tempo, pelo lado do Galo, foi o gol mal anulado pelo
bandeira, alegando impedimento, em troca de passes entre Cerezo,
Renato e Catatau. O jovem atleta ajoelhou-se ao pé do bandeirinha,
pedindo que não anulasse o jogo e foi xingado por ele. Ali ficou
ajoelhado chorando, quando Toninho Cerezo deixou o jogo rolar e foi
até ele, levantando-o e levando o ponta-direita à torcida, que,
dali em diante, passou a gritar o seu nome. Arrepiante!... Catatau
estava jogando muito, mas dali em diante, redobrou-se e a defesa
rival não sabia como marcá-lo.
Mas, infelizmente, seria o rival o primeiro a marcar foi o Cruzeiro,
após bola perdida no meio, com um contra-ataque rápido e falha do
goleiro João Leite, que saiu apavorado do gol. O Galo não se
abateu, pelo contrário, passou a forçar mais o jogo pela direita do
ataque, o que resultou no gol de empate de Renato Queiroz em cabeçada
mortal, após cruzamento de Catatau. A chuva fina que caía já havia
“curado” o Dendê, que abraçou ao irmão com força, e a
vibração da torcida do Atlético, em grande maioria no campo, como
de costume, passou a cantar o Hino do Galo com mais força ainda. O
gol saíra no final do primeiro tempo.
No intervalo do jogo, a torcida não parou um minuto sequer de cantar
e de vibrar. Com o estádio tão cheio, ninguém se arriscava a sair
do lugar, pois fatalmente não conseguiria voltar. O empate daria ao
Atlético o campeonato. Logo chegou o segundo tempo e a chuva
persistia. Catatau continuava infernizando e acabou sofrendo uma
falta na meia-lua. Apresentam-se para cobrar, sob aquela chuva fina e
o campo molhado, simplesmente os melhores cobradores de falta do
Brasil e do mundo naquele momento: Nelinho e Éder. Bate Nelinho, o
goleiro não consegue segurar, Catatau pega o rebote e rola para
Reinaldo, livre de marcação, empurrar para o gol. Vibração total
da torcida que, até o final do jogo, só comemorou o espetáculo de
futebol que aquele grande time de craques proporcionou.
Na memória do jovem EDN ficou registrado para sempre esse jogo,
assim como na de todos os milhares de atleticanos que ali estiveram.
O grito de campeão da torcida ainda ecoa dentro de sua alma e a
imagem de um Catatau sorridente e sendo carregado nos ombros pelos
colegas de time suplantou o choro de tristeza pela anulação do
jogo. O jovem EDN carrega hoje consigo a inexorável certeza de que
ser atleticano não é simplesmente seguir um time de futebol, mas
sim tê-lo impregnado na alma, vestida com aquela camisa alvinegra.
Hoje completo mais um aniversário de casamento, com muita
serenidade. Esses trinta e alguns anos ao lado dessa pessoa
maravilhosa, que é minha esposa, tem-me proporcionado a cada data
que comemoro a oportunidade de lembrar e refletir.
Gosto
de pensar a vida a dois metaforicamente. Aliás, nossa vida é cheia
de metáforas! E as figuras expressam o que não sabemos – ou não
podemos – falar. Se busco então conotar esse relacionamento de
dois seres que se completam, serei então um rio...
um
rio busca encontrar o mar
ao
longo de uma jornada sem fim
nunca
sabe o que vai encontrar
esse
rio que corre dentro de mim...
em
seu percurso há mais de um afluente
que
mantêm seu fluxo constantemente
para
que possa chegar a seu destino
passará
por vales e montanhas este rio
matando
a sede do homem e do menino
a
sede do bicho, a sede do verde
preencherá
o espaço do leito vazio
dos
açudes que fizerem nas suas margens
seguirá
este rio incansável
levando
em suas águas uma barca
que
navega segura na sua correnteza
seguindo
o fluxo das águas do rio
levando
consigo a tranquila certeza
de
que vai chegar aonde precisa ir
a
barca ama o rio e dele necessita
assim
como o rio ama a barca
sem
ela, o sentido de chegar ao mar
perde-se
diante da grandeza de amar
amar
a barca e levá-la consigo aonde for
trazê-la
sobre suas águas e sob seu amor
num
fluxo de vidas que se completam
e
que convergem
Soninha,
minha esposa linda! Que bom que Deus nos uniu! Continuemos assim,
vivendo a intensidade desse amor que, como o rio e a barca, sabem-se
necessários um ao outro, sabem-se complementares, sabem-se
parceiros, amantes e amados...
Como industriário, trabalhei 30 anos na Cedro (indústria têxtil centenária de Caetanópolis, MG), de onde me desliguei em 2013. Hoje, ainda atuo como professor (desde 1987) em escolas particulares e públicas.