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sexta-feira, 25 de junho de 2010

Fragmentos de uma pessoa


Sou um admirador da obra de Fernando Pessoa desde que com ela tomei contato aos 13 anos, conduzido pelas mãos de meu Mestre Ilacir. Comprei sua obra completa com minhas primeiras economias, enquanto colegas contemporâneos compravam Walkman ou Atari. E sua obra completa custou-me mais caro. Não me arrependo, pois tem sido minha companheira ao longo dos anos.

Transcrevo a seguir minha adaptação breve de sua biografia, retirada do sítio lusitano “As Tormentas”:





Escritor português, nasceu a 13 de Junho, numa casa do Largo de São Carlos, em Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai, vitimado pela tuberculose, e, no ano seguinte, o irmão, Jorge. Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, com o cônsul português em Durban, na África do Sul, viveu nesse país entre 1895 e 1905, aí seguindo, no Liceu de Durban, os estudos secundários.

Frequentou, durante um ano, uma escola comercial e a Durban High School e concluiu, ainda, o «Intermediate Examination in Arts», na Universidade do Cabo (onde obteve o «Queen Victoria Memorial Prize», pelo melhor ensaio de estilo inglês), com que terminou os seus estudos na África do Sul. No tempo em que viveu neste país, passou um ano de férias (entre 1901 e 1902), em Portugal, tendo residido em Lisboa e viajado para Tavira, para contactar com a família paterna, e para a Ilha Terceira, onde vivia a família materna. Já nesse tempo redigiu, sozinho, vários jornais, assinados com diferentes nomes.

Em 1920, ano em que a mãe, viúva, regressou a Portugal com os irmãos e em que Fernando Pessoa foi viver de novo com a família, iniciou uma relação sentimental com Ophélia Queiroz (interrompida nesse mesmo ano e retomada, para rápida e definitivamente terminar, em 1929) testemunhada pelas Cartas de Amor de Pessoa, organizadas e anotadas por David Mourão-Ferreira, e editadas em 1978. Em 1925, ocorreria a morte da mãe. Fernando Pessoa viria a morrer uma década depois, a 30 de Novembro de 1935 no Hospital de S. Luís dos Franceses, onde foi internado com uma cólica hepática, causada provavelmente pelo consumo excessivo de álcool.

Levando uma vida relativamente apagada, movimentando-se num círculo restrito de amigos que frequentavam as tertúlias intelectuais dos cafés da capital, envolveu-se nas discussões literárias e até políticas da época. Colaborou na revista “A Águia”, da Renascença Portuguesa, com artigos de crítica literária sobre a nova poesia portuguesa, imbuídos de um sebastianismo animado pela crença no surgimento de um grande poeta nacional, o «super-Camões» (ele próprio?). Data de 1914 o aparecimento dos seus três principais heterónimos, segundo indicação do próprio Fernando Pessoa, em carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, sobre a origem destes.

Em 1915, com Mário de Sá-Carneiro (seu dilecto amigo, com o qual trocou intensa correspondência e cujas crises acompanhou de perto), Luís de Montalvor e outros poetas e artistas plásticos com os quais formou o grupo «Orpheu», lançou a revista “Orpheu”, marco do modernismo português, onde publicou, no primeiro número, “Opiário” e “Ode Triunfal”, de Campos, e “O Marinheiro”, de Pessoa ortónimo, e, no segundo, “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa ortónimo, e a “Ode Marítima”, de Campos. Publicou, ainda em vida, “Antinous” (1918), “35 Sonnets” (1918), e três séries de “English Poems” (publicados, em 1921, na editora Olisipo, fundada por si). Em 1934, concorreu com “Mensagem” a um prémio da Secretaria de Propaganda Nacional, que conquistou na categoria B, devido à reduzida extensão do livro. Colaborou ainda nas revistas “Exílio” (1916), “Portugal Futurista” (1917), “Contemporânea” (1922-1926, de que foi co-director e onde publicou “O Banqueiro Anarquista”, conto de raciocínio e dedução, e o conhecidíssimo e belo poema “Mar Português”), “Athena” (1924-1925, igualmente como co-director e onde foram publicadas algumas odes de Ricardo Reis e excertos de poemas de Alberto Caeiro) e “Presença”.

A sua obra, que permaneceu maioritariamente inédita, foi difundida e valorizada pelo grupo da revista “Presença”. A partir de 1943, Luís de Montalvor deu início à edição das obras completas de Fernando Pessoa, abrangendo os textos em poesia dos heterónimos e de Pessoa ortónimo. Foram ainda sucessivamente editados escritos seus sobre temas de doutrina e crítica literárias, filosofia, política e páginas íntimas. Do seu vasto espólio foram também retirados o “Livro do Desassossego” por Bernardo Soares e uma série de outros textos.

A questão humana dos heterónimos, tanto ou mais que a questão puramente literária, tem atraído as atenções gerais. Concebidos como individualidades distintas da do autor, este criou-lhes uma biografia e até um horóscopo próprios. Encontram-se ligados a alguns dos problemas centrais da sua obra: a unidade ou a pluralidade do eu, a sinceridade, a noção de realidade e a estranheza da existência. Traduzem, por assim dizer, a consciência da fragmentação do eu, reduzindo o eu «real» de Pessoa a um papel que não é maior que o de qualquer um dos seus heterónimos na existência literária do poeta. Assim questiona Pessoa o conceito metafísico de tradição romântica da unidade do sujeito e da sinceridade da expressão da sua emotividade através da linguagem. Enveredando por vários fingimentos, que aprofundam uma teia de polémicas entre si, opondo-se e completando-se, os heterónimos são a mentalização de certas emoções e perspectivas, a sua representação irónica pela inteligência. Deles se destacam três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a génese dos seus heterónimos, Caeiro (1885-1915) é o Mestre, inclusive do próprio Pessoa ortónimo. Nasceu em Lisboa e aí morreu, tuberculoso, em 1915, embora a maior parte da sua vida tenha decorrido numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus poemas, os do livro O Guardador de Rebanhos, os de O Pastor Amoroso e os Poemas Inconjuntos, sendo os do último período da sua vida escritos em Lisboa, quando se encontrava já gravemente doente (daí, segundo Pessoa, a «novidade um pouco estranha ao carácter geral da obra»). Sem profissão e pouco instruído (teria apenas a instrução primária), e, por isso, «escrevendo mal o português», órfão desde muito cedo, vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó. Caeiro era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza», procurando viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica, caracterizando-se pelo seu panteísmo e sensacionismo que, de modo diferente, Álvaro de Campos e Ricardo Reis iriam assimilar.

Ricardo Reis nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num colégio de jesuítas, recebeu uma educação clássica (latina) e estudou, por vontade própria, o helenismo (sendo Horácio o seu modelo literário). Essa formação clássica reflecte-se, quer a nível formal (odes à maneira clássica), quer a nível dos temas por si tratados e da própria linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado. Médico, não exercia, no entanto, a profissão. De convicções monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República.


13 de junho de 1888 - Nasce em Lisboa, às 3 horas da tarde, Fernando Antônio Nogueira Pessoa.
1896 - Parte para Durban, na África do Sul.
1905 - Regressa a Lisboa
1906 - Matricula-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa
1907 - Abandona o curso.
1914 - Surge o mestre Alberto Caeiro. Fernando Pessoa passa a escrever poemas dos três heterônimos.
1915 - Primeiro número da Revista "Orfeu". Pessoa "mata" Alberto Caeiro.
1916 - Seu amigo Mário de Sá-Carneiro suicida-se.
1924 - Surge a Revista "Atena", dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz.
1926 - Fernando Pessoa requere patente de invenção de um Anuário Indicador Sintético, por Nomes e Outras Classificações, Consultável em Qualquer Língua. Dirige, com seu cunhado, a Revista de Comércio e Contabilidade.
1927 - Passa a colaborar com a Revista "Presença".
1934 - Aparece "Mensagem", seu único livro publicado.
30 de novembro de 1935 - Morre em Lisboa, aos 47 anos.


A biografia de “As Tormentas aborda muito pouco um outro heterônimo, do qual gosto muito, que é o Bernardo Soares. Ele é um heterônimo particular do poeta. Autor do “Livro do Desassossego”, uma obra feita de fragmentos que, não obstante, é tida como uma das obras fundamentais da ficção portuguesa no século XX, segundo a Wikipedia, “(…) ao encenar na linguagem categorias várias que vão desde o pragmatismo da condição humana até o absurdo da própria literatura.(...)”

Bernardo Soares é, nessa obra, um mero ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Para a crítica, Bernardo Soares seria, na verdade, um “semi-heterônimo”, pois, como o próprio Fernando Pessoa colocou: “não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afectividade.”

Trago a seguir um fragmento do “Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa, em texto do seu heterônimo Bernardo Soares, mostrando-me uma angústia que já compartilhei:


(Fragmentos)
88.


“Quando ponho de parte os meus artifícios e arrumo a um canto, com um cuidado cheio de carinho - com vontade de lhes dar beijos - os meus brinquedos, as palavras, as imagens, as frases - fico tão pequeno e inofensivo, tão só num quarto tão grande e tão triste, tão profundamente triste!...

Afinal eu quem sou, quando não brinco? Um pobre órfão abandonado nas ruas das sensações, tiritando de frio às esquinas da Realidade, tendo que dormir nos degraus da Tristeza e comer o pão dado da Fantasia. De meu pai sei o nome; disseram-me que se chamava Deus, mas o nome não me dá ideia de nada. Ás vezes, na noite, quando me sinto só, chamo por ele e choro, e faço-me uma idéia dele a que possa amar...Mas depois penso que o não conheço, que talvez ele não seja assim, que talvez seja nunca esse o pai da minha alma...

Quando acabará isso tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria, e estes degraus onde encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre os meus farrapos? Se um dia Deus me viesse buscar e me levasse para a sua casa e me desse calor e afeição...Ás vezes penso isto e choro com alegria a pensar que o posso pensar...Mas o vento arrasta-se pela rua fora e as folhas caem no passeio...Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm sentido nenhum...E de tudo isto fico apenas eu, uma pobre criança abandonada, que nenhum Amor quis par seu filho adoptivo, nem nenhuma Amizade para seu companheiro de brinquedos.

Tenho frio de mais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar, ó Vento, a minha Mãe. Leva-me na Noite para a casa que não conheci...Torna a dar-me, ó Silêncio imenso, a minha ama e o meu berço e a minha canção com que eu dormia...”